Notícia

“Annas” e “Mias”: bulimia e anorexia entre o corpo e a identidade

Pixabay

Fonte

 Universidade de São Paulo (USP)

Data

segunda-feira, 18 setembro 2017 11:55

Áreas

Saúde Pública. Nutrição Clínica

Tudo que é relacionado ao corpo sempre remete ao sujeito – não é fácil estabelecer limites entre um e outro, pois somos “sujeito-corpo”, somos o par corpo-identidade. Por isso, “ao tratarmos das questões que envolvem o corpo, defrontamo-nos com elementos que tratam de identidades individuais, coletivas, culturais, familiares, escolares”. Artigo publicado na Revista Educação e Pesquisa analisa sob esta ótica o emagrecimento como estilo de vida, suas práticas e regras. A base foram depoimentos virtuais colhidos de mulheres jovens portadoras de anorexia e bulimia – autodenominadas “Annas” e “Mias”, respectivamente. Nota-se que a ânsia pelo emagrecimento muitas vezes coincide com as mudanças na vida escolar; são muitos desejos e transformações pelas quais passam essas adolescentes, e os educadores precisam saber lidar com a problemática.

A pesquisa foi baseada nos textos de 40 blogs de jovens mulheres que descrevem regras de conduta para se tornarem Annas e Mias. A Dra Marisa Farah e a Dra Cecilia Mate investigam, nesses textos, as experiências com as modificações corporais, as experiências identitárias virtuais e as chamadas “experiências de si”, tendo como foco gerador o desejo de ficar magra. “O critério de seleção dos blogs tem relação com a adesão dessas jovens à anorexia e à bulimia como um estilo de vida”, pontuam. Os participantes dos blogs formam uma identidade coletiva que aconselha, incita e receita dietas e procedimentos para se alcançar a magreza, decretando regras e condutas implacáveis aos membros. Isso inclui privações e autopunição, “que compõem um conjunto de técnicas e práticas, com a finalidade ‘de se viver tão bem quanto se deveria’”, provocadas pela vontade de realizar o que as autoras chamam de “experiência de si”. Note-se que essas mulheres não deixam de ter fome, “só não querem, deliberadamente, comer”. Para as pesquisadoras, a experiência de si se revela “na busca por uma certa elaboração técnica corporal, na reconstrução e modificação do corpo”.

A anorexia e a bulimia nervosas são transtornos alimentares que requerem tratamento interdisciplinar, e podem ser do tipo restritivo, com dietas e jejuns, e do tipo compulsivo, com vômito induzido e uso de laxantes e/ou diuréticos. Nas portadoras desses transtornos observa-se alteração do ciclo menstrual e distorção da imagem corporal, relacionadas com as diversas experiências contemporâneas feitas com o próprio corpo. “Essas experiências implicam uma expectativa de mudança radical no formato corporal, bem como na maneira de ser e estar no mundo”, explicam as autoras.

Anas e Mias compartilham o mesmo ideal: o equilíbrio entre a vida, a magreza e a beleza, que se reafirma nas redes sociais: o pertencimento a uma identidade coletiva, ao mesmo tempo em que fortalecem suas identidades individuais. Essa busca pode ser uma fuga “do sofrimento vivido em seu meio social, especialmente escolar, quando a magreza se configurou como determinante estético da beleza”.

O controle e o gerenciamento constante de si, assim como a obediência aos padrões estéticos das mídias, solicitam vigilância, autopunição e disciplina corporal. Aí começam as modificações corporais: cirurgias, próteses, a “malhação” nas academias. Na verdade, essas experiências são protestos contra a “homogeneização desses corpos que buscam desmaterializar o corpo por meio de uma magreza extrema: se não veem minha alma, que vejam meus ossos”, dizia um dos blogs analisados.

Na luta para a manutenção da magreza extrema, Annas e Mias podem estar expressando vários desejos. “O desejo de uma firmeza moral, do domínio de si, de ter visibilidade, de ser tocada ou aceita, de ter paz, de bastar a si mesmo, de desaparecer, de experimentar o limite, de estar no limite, de brincar com o limite”. Todas essas reflexões, segundo a Dra Marisa Farah e a Dra Cecilia Mate, “atravessam os muros da escola, são visíveis, manifestam-se e podem nos ajudar a reinventar a docência”, possibilitando mudanças benéficas de pensamento no professor. Sugerem que este dirija um outro olhar em direção aos jovens alunos, com suas diferentes experiências, podendo esta significar “a oportunidade de fazer alguma diferença no mundo adolescente escolar”. A análise proposta pelas autoras mostra que “o trabalho docente é atravessado por acontecimentos que surpreendem e, por isso, abrem espaço para um estado de não saber, um estranhamento para que, então, outros modos de ser professor possam ser (re)criados”.

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