Notícia
Da comida in natura para a comida de caixinha: os efeitos de um sistema alimentar insustentável
Hoje em dia, apenas um quinto da população brasileira come majoritariamente (85%) comida in natura ou minimamente processada
Pixabay
Fonte
UFSC - NUPPRE | Universidade Federal de Santa Catarina - Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições
Data
terça-feira, 25 junho 2019 11:45
Áreas
Nutrição Clínica. Nutrição Coletividades. Saúde Pública
Antes uma pequena vila de pescadores descendentes de portugueses, a Guarda do Embaú, localizada a cerca de 40 kms ao sul de Florianópolis, foi “descoberta” pelos surfistas a partir dos anos 80 e hoje recebe milhares de turistas todo o verão. Dona Candinha, nascida lá há quase um século, toma o café da manhã: pão com margarina, bolacha, café com leite. Dona Candinha, o que a senhora comia no café da manhã antes do supermercado chegar? “Ah minha filha, a gente comia batata-doce, aipim, amendoim, arroz pilado, banana, ovo das galinhas que eram criadas aqui no quintal…”.
Hoje em dia, apenas um quinto da população brasileira come majoritariamente (85%) comida in natura ou minimamente processada, segundo um dado da POF – Pesquisa de Orçamentos Familiares. Apesar de parecer pouco, não é ruim, se comparado a alguns países mais desenvolvidos, cuja alimentação da maior parte da população é totalmente baseada em “comida de caixinha”. A comida in natura é abundante e acessível no Brasil, o país das feiras-livres e restaurantes à quilo. Comida de verdade ainda pode ser encontrada mais barata, em certos lugares, do que alguns produtos ultraprocessados — mas eles estão ganhando cada vez mais espaço nas prateleiras de supermercados e vendinhas de bairros pelo Brasil todo. Quem viu o documentário Muito além do peso deve se lembrar da cena que mostra o “Supermercado Flutuante de Produtos das Nestlé” vendendo ultraprocessados para uma comunidade ribeirinha no Pará (aos 1:23 do documentário).
Como chegamos a isso? O que levou dona Candinha — e todos nós — a mudar a alimentação?
Começa com o processo de urbanização, passa pela industrialização, e deságua no acesso aos objetos e símbolos da contemporaneidade. Assim como aconteceu com dona Candinha e sua família, nas últimas décadas do século 20 fomos deixando de comer comida in natura, grãos, frutas e vegetais, e começamos a pegar pesado no açúcar, gordura, carne, derivados do leite. E a optar pela praticidade dos processados. Contamos com as facilidades da vida moderna para encarar longas jornadas de trabalho e horas no trânsito — e ainda ter que pensar no cuidado da casa e nas refeições da família — e nos vemos dependentes delas. Pizza congelada, nuggets, macarrão instantâneo, bolacha recheada, iogurtes cheios de açúcar e corantes, que “valem por um bifinho”. A gente terceirizou nossa alimentação. Não apenas a produção, distribuição e preparação, mas também a escolha e a decisão. Nos alienamos desse processo tão importante que é o se alimentar.
Hoje, o modelo agroalimentar foi sequestrado pelos interesses de um punhado de corporações do agronegócio e grandes varejistas, que buscam apenas ganhar dinheiro com algo tão essencial como é a comida. Comer de forma consciente envolve perguntar-se de onde vem o que consumimos, como foi elaborado, em que condições, e por que pagamos por isso um determinado preço. Significa tomarmos o controle de nossos hábitos alimentares, e não simplesmente delegar. (Esther Viva Esteves, O Negócio da Comida)
Nossa comida, a que compramos no “super”, é produzida por um sistema agroalimentar baseado em cadeias de suprimentos globais que distribui os mesmos produtos, padronizados e encaixotados, praticamente no mundo inteiro, e envolve processos insustentáveis do início ao fim. Em sua base está a agricultura de larga escala que ocupa grandes extensões de terra na Amazônia e no Cerrado e faz uso intensivo de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos, dos quais o Brasil é o campeão mundial em consumo, segundo o Dossiê Abrasco, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.
Guia Alimentar recomenda que a base da alimentação seja composta por alimentos in natura ou minimamente processados.
Estes sistemas alimentares, na descrição Guia Alimentar para a População Brasileira 2014 (pg. 19), “operam baseados em monoculturas que fornecem matérias-primas para a produção de alimentos ultraprocessados ou para rações usadas na criação intensiva de animais. Dependem de grandes extensões de terra, do uso intenso de mecanização, do alto consumo de água e de combustíveis, do emprego de fertilizantes químicos, sementes transgênicas, agrotóxicos e antibióticos e, ainda, do transporte por longas distâncias. Completam esses sistemas alimentares grandes redes de distribuição com forte poder de negociação de preços em relação a fornecedores e a consumidores finais”.
A comida produzida por essa indústria não merece nem ser chamada de alimento. É o reino dos ultraprocessados: a gente olha o rótulo e não reconhece os ingredientes. Estamos sendo alimentados por grandes corporações multinacionais que não têm a saúde humana como prioridade e que mantêm a população refém do sabor artificial que vicia através de aditivos como glutamato monossódico ou a inebriante combinação de açúcar com gordura (levanta a mão quem nunca comeu um pacote inteiro de bolacha recheada de uma sentada só). No Brasil, a obesidade cresceu 60% nos últimos 10 anos, segundo pesquisa do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico de 2016. O Guia Alimentar para a População Brasileira (assim como diversos estudos) aponta que a maior disponibilidade de produtos alimentares ultraprocessados é associada a uma maior prevalência de excesso de peso e obesidade em todas as faixas etárias.
Acesse a notícia completa na página da UFSC – NUPPRE.
Fonte: Alessandra Nahra, UFSC. Imagem: Pixabay.
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