Notícia

Tainha de laboratório: UFSC é pioneira na reprodução de espécie em cativeiro

Pesquisas podem contribuir para o nascimento de alternativas economicamente viáveis, capazes de garantir a oferta da tainha durante o ano inteiro e agregar valor à sua produção

Acervo Lapmar, via UFSC

Fonte

UFSC | Universidade Federal de Santa Catarina

Data

quarta-feira, 25 maio 2022 10:45

Áreas

Aquicultura. Biotecnologia. Zootecnia

Quando o mês de maio chega e o frio se intensifica, uma visitante assídua aparece nas águas do litoral catarinense: a tainha. Com a pesca artesanal, o peixe se mantém símbolo da tradição, mas ainda é subexplorado comercialmente. Pesquisas desenvolvidas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no entanto, podem contribuir para o nascimento de alternativas economicamente viáveis, capazes de garantir a oferta da tainha durante o ano inteiro e agregar valor à sua produção.

O Laboratório de Piscicultura Marinha (Lapmar) foi o primeiro do mundo a conseguir reproduzir todo o ciclo de vida da espécie Mugil liza em cativeiro. O projeto teve início em 2014, quando 14 exemplares adultos selvagens (quatro fêmeas e dez machos) foram capturados em Laguna, no Sul do estado, e transportados para a unidade de pesquisa da UFSC, instalada em Florianópolis.

Esse primeiro lote de reprodutores foi mantido em um tanque de 12 m3, onde as fêmeas receberam indução hormonal para liberação dos ovos; enquanto os machos liberaram sêmen quando submetidos a massagens abdominais. A fecundação dessa espécie ocorre na água e, no estudo pioneiro, a eclosão das primeiras larvas foi registrada 48 horas após a desova. Por cinco anos, todas as desovas realizadas no Lapmar utilizaram os exemplares selvagens. Somente no fim de 2019, alguns meses antes da pandemia, a experiência foi consumada com exemplares da primeira geração nascida em cativeiro, chamada F1.

A principal contribuição do trabalho concebido na UFSC foi o domínio do ciclo de vida da espécie. Com o desenvolvimento integral dessa geração no laboratório, os pesquisadores conseguiram acompanhar o processo de maturação sexual e constataram que os machos apresentavam espermatozoides viáveis por volta dos 11 meses de idade, quando atingiam em torno de 24 a 25 cm de comprimento. As fêmeas, por sua vez, estavam aptas à reprodução somente aos três anos, com cerca de 40 cm.

A pesquisa demonstrou regularidade nos índices de desova e na qualidade dos ovos, permitindo um grande avanço no controle da reprodução da tainha fora do seu habitat natural. O domínio desta técnica torna possível produzir o peixe todos os meses do ano e escalonar sua produção. Neste mês de maio, a equipe do Lapmar iniciou o trabalho de preparação para a desova da segunda geração.

O engenheiro de aquicultura Dr. Caio França Magnotti, supervisor do Laboratório de Piscicultura Marinha, começou a trabalhar na UFSC em 2013 e acompanhou todas as pesquisas desenvolvidas na instituição sobre a espécie desde então. Para ele, ainda que seja complexo garantir que os peixes fiquem aptos à desova no ambiente do laboratório, a parte mais crítica do processo são os primeiros 15 dias após a eclosão do ovo. “É uma fase praticamente microscópica. Você quase não vê a larva. Você não pode encostar nela, que ela morre. Então, qualquer deslize, uma temperatura diferente, um choque mecânico ou um choque de luz, como acender e apagar a luz, pode causar a morte. É muito delicado”, ponderou o pesquisador.

A origem do laboratório

O Lapmar foi criado em setembro de 1990 para atender uma demanda de produção de tecnologias e de difusão de conhecimentos sobre peixes marinhos em cativeiro, especialmente de espécies presentes no litoral catarinense. É hoje o mais antigo laboratório do gênero no país dedicado à pesquisa, ao ensino e à extensão. Instalado na Barra da Lagoa, leste da Ilha de Santa Catarina, ele faz parte da Estação de Maricultura Professor Elpídio Beltrame (EMEB) – unidade externa do Departamento de Aquicultura do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSC.

O surgimento e a história do laboratório estão intimamente ligados à trajetória de um profissional: o professor Dr. Vinícius Ronzani Cerqueira. O docente se aposentou no último mês de abril, após dedicar mais de três décadas à UFSC e à supervisão do Lapmar. Ao cursar o doutorado na França, terra natal de seu ídolo, o oceanógrafo Jacques Cousteau, Vinícius já planejava que, quando retornasse ao Brasil, abriria uma linha de pesquisa nova, para estudar nossos peixes. O foco desde o princípio foi desbravar a piscicultura marinha brasileira.

“Quando a gente começou não havia nenhum grupo de pesquisa com esse objetivo: estudar as espécies marinhas nativas. Foi difícil começar algo inovador. Já havia publicações sobre peixes marinhos, mas eram poucas. Por isso, insisti nessa área e peguei essa oportunidade para trabalhar”, revelou o professor. No início o serviço foi árduo e era executado pelo Dr.Vinícius com a colaboração do seu primeiro orientando, o estudante Dr. Aliro Bórquez Ramirez, engenheiro formado no Chile e hoje reitor da Universidad Católica de Temuco, cuja dissertação foi a primeira defendida no curso de Aquicultura da UFSC, em 1991.

Ao longo da carreira, o professor Vinícius se dividia entre as atividades no Lapmar e os compromissos como docente no CCA, onde chegou a ocupar as funções de chefe de Departamento e coordenador da graduação e pós-graduação. Em muitas oportunidades, levou a família ao local de trabalho nos fins de semana. “Era um trabalho que não podia parar. Além do meu ofício como professor de segunda a sexta-feira, aos sábados e domingos muitas vezes precisava visitar o laboratório. Dependendo da fase de desenvolvimento em que os peixes estavam, ficar dois dias sem ninguém verificá-los era muito arriscado”, recordou o pesquisador.

O projeto começou com o estudo da reprodução do robalo-peva (Centropomus parallelus), por meio da investigação acerca da criação de larvas e juvenis – esta última é uma fase da vida do peixe que se inicia a partir de 30 a 40 dias depois do nascimento, quando possui entre 2 e 3 cm, e termina com a maturação sexual). A experiência serviu de base para o trabalho com o robalo-flecha (Centropomus undecimalis) pouco tempo depois.

Linguado, carapeva, badejo e bijupirá também já foram objeto de pesquisas pontuais da equipe do laboratório. Na última década, entretanto, iniciaram-se os estudos com espécies não-carnívoras, por um método conhecido como Aquicultura Multitrófica Integrada (AMTI), um sistema de produção que integra espécies diferentes em um mesmo ambiente de cultivo, resultando na conversão dos resíduos de uma delas em fonte de alimento ou em fertilizante para outra.

O primeiro peixe estudado nessa fase foi a sardinha-verdadeira (Sardinella brasiliensis), muito explorada comercialmente. Hoje as sardinhas estão totalmente aclimatadas às condições de confinamento, com desovas espontâneas (sem a necessidade de indução hormonal) durante o ano. Já a segunda espécie não-carnívora foi a tainha (Mugil liza), cujas pesquisas iniciadas na década de 1980 foram retomadas nos últimos anos.

No momento, o Lapmar mantém dois projetos ativos: um deles é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) e concentra-se no estudo sobre a intensificação do processo de reprodução da sardinha; e o outro, fruto de uma parceria entre a UFSC e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), trata da eficiência de cultivo de tainha e miragaia (ou burriquete), peixe nativo que está em extinção e com pesca proibida.

Parcerias para além dessas águas

Atualmente a infraestrutura do Lapmar é dividida em três grandes áreas: setor de reprodutores, setor de larvicultura e uma área de estufa para produção piloto em maior escala, contabilizando 20 tanques para o cultivo das espécies. Ainda completam a estrutura física o setor de microalgas e o depósito de ração comercial, para os casos em que a dieta não é desenvolvida dentro do próprio laboratório.

Com o fim da pandemia e o encerramento de algumas pesquisas, seis alunos e dois servidores se revezam na rotina do laboratório. São inúmeras as tarefas diárias: desde os cuidados com a oxigenação, salinidade e temperatura da água até o cálculo e preparação da alimentação dos animais. Normalmente, peixes adultos comem de 3 a 4 vezes por dia; porém, na fase de larvas, essa frequência pode saltar para 10 vezes em um período de apenas 24 horas. Fora isso, em determinadas fases de pesquisa, são promovidas avaliações para medição de parâmetros, checagem de aparência e análise de sangue.

Acesse a notícia completa na página da UFSC.

Fonte: Maykon Olveira, Agência de Comunicação-UFSC. Imagem: Acervo Lapmar, via UFSC

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