Notícia

‘Sinfonia’ muda a percepção do dulçor no chocolate

Pesquisa constata mudança no paladar e estímulo a emoções ao se provar o produto meio amargo ouvindo determinadas músicas

Antonio Scarpinetti, edição de imagem Alex Calixto e Paulo Cavalheri

Fonte

Jornal da UNICAMP

Data

domingo, 20 agosto 2023 11:45

Áreas

Ciência e Tecnologia de Alimentos. Engenharia de Alimentos. Gastronomia. Nutrição Coletividades

Sons de alta frequência podem alterar a forma como o ser humano percebe o gosto doce no chocolate meio amargo, aponta pesquisa de mestrado realizada na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. O estudo, empreendido pela engenheira de alimentos Renata Almeida Shimizu Forner e orientada pelo professor Dr. Jorge Herman Behrens, da FEA, revelou, ainda, que a interação entre o chocolate meio amargo e determinadas músicas desperta emoções distintas nas pessoas. Os resultados sinalizam a eficácia do uso de sonoridades para a construção de experiências de consumo alimentar com diferentes finalidades, além de demonstrar a possibilidade de harmonizar comida e música.

A dissertação ‘Com música ou sem música: um estudo sobre o efeito cross-modal de sons doces e amargos numa experiência de consumo de chocolate‘ aborda o emprego do som em experimentos, um tema pouco explorado pela ciência sensorial dos alimentos. Prática bastante difundida quando se trata de estímulos sensoriais como a cor e o aroma, a cross-modalidade investiga as relações resultantes da interação entre o alimento e os cinco sentidos (tato, olfato, paladar, visão e audição). Entre seus exemplos mais conhecidos está a atribuição da cor amarela ao gosto cítrico, cita a engenheira de alimentos. “O som externo, ou seja, não produzido pela mastigação, é tradicionalmente percebido de forma independente do ato de comer. Sua presença pode alterar a percepção sensorial do todo”, observou a pesquisadora.

Esse estudo se insere em uma linha de pesquisa coordenada pelo Dr. Jorge Behrens, na FEA, sobre ciência sensorial e a percepção do consumidor, um trabalho dedicado a investigar os estímulos internos e externos envolvidos na relação que o ser humano estabelece com a comida. Afinal, conforme destaca o docente, comer é um ato que envolve não apenas os cinco sentidos, mas também a memória e o ambiente, entre outros fatores.

No mestrado, a engenheira de alimentos não utilizou sons aleatórios: ao examinar trabalhos acadêmicos de cross-modalidade, encontrou composições sonoras que, quando ouvidas, são capazes de intensificar percepções multissensoriais. Trata-se, contou Renata Shimizu, de peças musicais pesquisadas na Universidade de Oxford (Inglaterra) e associadas a gostos básicos. “Elas foram feitas a partir de um arranjo de notas e timbres particulares, em uma faixa de frequência específica e relativamente uniforme, e produzem uma música abstrata. Quando ouvidas, invariavelmente eram associadas a uma expectativa de gosto.”

O que vai determinar que gosto a música terá é a combinação entre frequência sonora e modulação, esclarece o orientador. “Sons agudos, ou de alta frequência, são caracterizados como doces. Sons graves, ou de baixa frequência, como amargos”, definiu o Dr. Jorge Behrens.

Segundo a pesquisadora, embora possa parecer incomum, correlacionar diferentes sentidos é uma prática corriqueira do ser humano para sobreviver. “É como se fosse uma característica inata das pessoas. Por exemplo, objetos grandes são associados a sons graves e cores escuras.”

Aguçando os sentidos

A escolha do alimento empregado na pesquisa, explicou o Dr. Jorge Behrens, se deu com base no equilíbrio entre os dois gostos que seriam investigados. Também pesou a capacidade do chocolate de gerar expectativa e de aguçar os sentidos, graças ao seu brilho, ao seu aroma e à maneira como derrete na boca. “Nada substitui a gordura do cacau na geração de textura, e textura é uma dimensão”, justifica o professor da FEA. Seu sabor, continuou ele, é resultado da reação de Maillard, relacionada ao desenvolvimento de sabores presentes em itens como café, pão e doce de leite (podendo torná-los mais desejáveis).

O mestrado compreendeu cinco fases, que precisaram ser adaptadas devido ao isolamento social imposto durante a pandemia de coronavírus. A primeira visou definir o chocolate a ser utilizado e envolveu três amostras da marca Barry Callebaut (doadas pela empresa para a pesquisa), com diferentes porcentagens de cacau. Esses tipos de chocolates foram provados por voluntários, que depois responderam a um questionário para apontar qual apresentava o melhor equilíbrio entre doce e amargo. Dessa forma, chegou-se ao chocolate com 54,5% de cacau.

Na segunda etapa, tradutores profissionais fizeram uma adaptação para o português de dois léxicos de emoções, um desenvolvido para o chocolate e outro para a música, que posteriormente foram usados para a formulação dos questionários aplicados nos experimentos. Realizado com vistas a validar a associação de gostos às duas músicas selecionadas, o primeiro teste contou com a participação de 313 usuários de redes sociais. Seu resultado confirmou que, também entre os brasileiros, a música de frequência grave foi considerada amarga, enquanto a de frequência aguda foi apontada como doce.

No experimento seguinte, os voluntários responderam a três questionários online durante a degustação do chocolate em casa, sem a presença dos sons. No primeiro, deveriam dizer se gostaram ou não do alimento. No segundo, apontar o grau de equilíbrio entre os gostos doce e amargo. No último, selecionar quais emoções associavam ao chocolate que haviam comido.

Para realizar o último experimento, a pesquisadora precisou esperar até que a pandemia de coronavírus arrefecesse, uma vez que, ressalta, era fundamental conduzi-lo em ambiente presencial e controlado. Em maio de 2022, 148 participantes divididos em grupos de oito e nove pessoas comeram as três amostras idênticas do chocolate selecionado no Laboratório de Serviços de Alimentação da FEA. Primeiro, sem qualquer som. Depois, ouvindo a música doce. Finalmente, com a música amarga.

Ao final de cada degustação, os grupos responderam o quanto gostaram ou não de cada tablete (sem saber que todos eram iguais). Também apontaram o grau de equilíbrio entre os gostos doce e amargo no chocolate; e indicaram com qual intensidade sentiram 25 emoções registradas em um questionário.

Os resultados das degustações finais mostraram que, embora as três amostras fossem idênticas (todas com 54,5% de cacau), a música doce influenciou positivamente na percepção do gosto doce, como se o alimento fosse mais adocicado. Não foi notada nenhuma influência da música amarga na percepção do gosto do chocolate. No que diz respeito à percepção das emoções, Shimizu observou que a interação do chocolate com a música doce aumentou a intensidade das emoções positivas nas pessoas, enquanto o experimento feito com o chocolate e a música amarga acentuou as emoções negativas. “O chocolate foi para mundos completamente diferentes, mostrando que vale a pena investir no estudo das emoções, em experimentos cross-modais”, concluiu a pesquisadora.

Acesse a notícia na página do Jornal da UNICAMP.

Fonte: Mariana Garcia, Jornal da UNICAMP. Imagem: Antonio Scarpinetti, edição de imagem Alex Calixto e Paulo Cavalheri.

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