Notícia
Será que ingerir as bactérias dos laticínios pode melhorar a saúde?
Pesquisadores estudaram centenas de tipos de bactérias isoladas de queijos e iogurtes, e descobriram que 24 delas podem desempenhar a maioria das funções bacterianas importantes que ocorrem nos intestinos humanos
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Fonte
UNESP | Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Data
sábado, 3 setembro 2022 14:30
Áreas
Biotecnologia. Ciência e Tecnologia de Alimentos. Engenharia de Alimentos. Laticínios. Nutrição Clínica. Nutrição Funcional. Saúde Pública
Um grande número de bactérias vive nos intestinos humanos. Elas são importantes para nossa saúde e, portanto, devemos tratá-las bem. Quisemos saber se era possível produzir novos iogurtes capazes de introduzir bactérias especiais nos intestinos, a fim de melhorar nosso bem-estar. Estudamos centenas de tipos de bactérias isoladas de queijos e iogurtes, e descobrimos que 24 delas podem desempenhar a maioria das funções bacterianas importantes que ocorrem nos intestinos humanos. Portanto, há um grande potencial para o desenvolvimento de novos yogurtes benéficos aos intestinos.
Existem bactérias em muitos alimentos, sobretudo laticínios (como queijo e iogurte), consumidos desde eras remotas. Há dez mil anos, quando a maioria das pessoas ainda vivia como caçadores-coletadores, todos os humanos eram intolerantes à lactose, ou seja, podiam beber leite quando crianças, mas, se o fizessem quando adultos, experimentariam uma sensação de inchaço e mal-estar. Depois que começaram a criar ovelhas, vacas e outros animais produtores de leite, descobriram meios de processar o leite de modo que ele tivesse um gosto diferente, durasse mais e, não menos importante, pudesse ser digerido sem fazê-los se sentir mal [Andrew Curry – Nature]. Esse processo, chamado fermentação, foi responsável pela produção dos primeiros iogurtes e queijos. Mas essas comunidades ignoravam que a causa da fermentação estava nas bactérias.
Certas espécies de bactérias vivem e proliferam no leite, modificando seu gosto, textura e composição. Após a fermentação, há mais bactérias (pelo menos 20 bilhões) num copo de iogurte (200 g) do que seres humanos na Terra (8 bilhões)!
Os antigos iogurtes continham muitas espécies distintas de bactérias e cada iogurte era diferente. Ao contrário, quase todos os iogurtes modernos contêm apenas duas espécies, selecionadas para uma produção em massa mais rápida e confiável. Seria possível fazer iogurtes com um coquetel diferente de bactérias, otimizado não apenas para produção em massa, mas também para incrementar o microbioma intestinal e melhorar a saúde humana?
A busca pelas bactérias corretas
Onde podemos encontrar as bactérias adequadas para fazer iogurtes que beneficiem nossos intestinos? A Suíça tem uma longa tradição na fabricação de iogurtes e queijos. Agroscope, o centro suíço de excelência em pesquisa agrícola, coleta, armazena e estuda as bactérias encontradas em iogurtes e queijos. Até agora, coletou mais de dez mil bactérias diferentes de dezenas de espécies!
Diante de uma quantidade tão grande de bactérias, como decidir quais são as melhores para um iogurte saudável? Com essa finalidade, os cientistas do Agroscope analisaram o DNA de cerca de mil bactérias coletadas, usando um processo chamado sequenciamento para descobrir quais genes elas possuem. Os genes são segmentos curtos de DNA que codificam funções capazes de assegurar a sobrevivência das bactérias. Por exemplo, alguns deles permitem que as bactérias se dividam em duas e outros lhes conferem a capacidade de nadar em seu ambiente.
A suplementação do microbioma intestinal
Nosso projeto era averiguar se as bactérias do iogurte podem ajudar as bactérias intestinais em sua tarefa e, possivelmente, até aumentar a diversidade do microbioma intestinal. Usamos sequências do DNA de quatro microbiomas humanos que continham uma mistura de genes oriundos de diferentes bactérias intestinais. Depois, recorremos a um programa de computador a fim de determinar as funções desses genes, utilizando o mesmo método aplicado para as bactérias de laticínios.
Quando comparamos as bactérias de laticínios com as bactérias do microbioma humano, ficamos surpresos: cada espécie bacteriana do leite consegue executar cerca de metade das funções do microbioma intestinal humano, embora as bactérias de laticínios vivam em um ambiente totalmente diverso e quase nunca sejam encontradas nos intestinos humanos. Combinadas, nossas 24 espécies de bactérias de laticínios cobriam 89% das funções do microbioma intestinal humano [4]! Também observamos que alguns microbiomas humanos, em comparação com outros, não dispunham de determinadas funções. Algumas destas estão presentes nas bactérias de laticínios, de modo que talvez sejamos capazes de desenvolver um iogurte capaz de suplementar funções ausentes ou perdidas em um microbioma humano, tornando-o mais flexível e melhorando a saúde das pessoas [artigo – Microorganisms].
E depois?
Nosso estudo mostra que bactérias de queijos e iogurtes possuem funções similares às das bactérias dos intestinos humanos. Achamos que esse conhecimento possa ser muito útil. Por exemplo, pessoas com certas doenças como a obesidade não têm determinados tipos de bactérias intestinais. Assim, em futuros estudos, poderemos recrutar participantes com uma doença conhecida e sem a bactéria que desempenha funções específicas. Em seguida, procuraremos no acervo do Agroscope bactérias do leite que desempenhem as funções em falta para produzir um iogurte com elas. Daremos então esse iogurte aos participantes e avaliaremos os efeitos em sua saúde.
Os humanos vêm criando gado e ingerindo alimentos fermentados há milênios, mas só recentemente obtivemos o conhecimento e as ferramentas necessárias para desenvolver laticínios saudáveis com base em dados específicos. Esse processo é longo, mas vale a pena! Caso os cientistas continuem a explorar o potencial das bactérias para melhorar a saúde humana, poderemos um dia ajudar inúmeras pessoas com doenças como obesidade e diabetes oferecendo-lhes produtos que contenham bactérias úteis.
Acesse a notícia completa na página da Unesp.
Fonte: Unesp (republicação). Fonte original: Cornelia Bär, Grégory Pimentel, Guy Vergères, Rémy Bruggmann, Thomas Order, Ueli von Ah, Frontiers for Young Minds. Imagem: Freepik.
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