Notícia

O que o brasileiro valoriza na hora de montar o prato de comida

Levantamento com quase 1.500 indivíduos identificou padrão semelhante ao de outros países em desenvolvimento, e grupo de entrevistados em regimes restritivos continua associando dieta a sofrimento e foge de opções mais saborosas

Freepik

Fonte

Jornal da UNESP

Data

quinta-feira, 9 março 2023 12:15

Áreas

Educação Nutricional. Ciência e Tecnologia de Alimentos. Engenharia de Alimentos. Nutrição Coletividades. Saúde Pública

“A cozinha é um pouco como o cinema: é a emoção que conta”, disse a francesa Anne-Sophie Pic, a única chef de cozinha da França cujo restaurante, a Maison Pic, mereceu três estrelas na célebre avaliação do guia gastronômico Michelin. Talvez isso seja verdade para o diminuto universo dos frequentadores de restaurantes de altíssimo nível. Mas, o que as pesquisas na área de nutrição feitas com um universo mais amplo têm revelado nas últimas décadas é que nós tendemos a avaliar diversos fatores na hora de decidir o que vamos colocar no prato naquele dia. Um levantamento recente e pioneiro, conduzido pelo pesquisador Dr. Wanderson da Silva da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), procurou enxergar quais podem ser os fatores mais influentes nas escolhas alimentares feitas pelos brasileiros.

O levantamento foi conduzido antes da pandemia de Covid-19 por meio de um questionário aplicado presencialmente a 1.480 adultos intitulado Food Choice Questionnaire (FQC) [artigo sobre a tradução e adaptação do questionário sobre motivo das escolhas alimentares (Food Choice Questionnaire – FCQ) para a língua portuguesa]. Os resultados foram publicados na revista científica Journal of Sensory Studies, em um artigo intitulado ‘What are the motives underlying Brazilians’ food choices? An analysis of the Food Choice Questionnaire and its relationship with different sample characteristics‘.

O FQC é um instrumento tradicional para este tipo de avaliação lá fora, mas ainda pouco utilizado por aqui. O questionário convida os participantes a comentar a importância que dão a diferentes versões da frase “Para mim é importante que o alimento que eu coma no dia a dia…”, conforme diversas opções possíveis de conclusão (“me ajude a relaxar”, “seja nutritivo”, “não seja caro”, etc.).

Entre os fatores propostos pelos conjuntos de sentenças estavam o apelo sensorial do alimento, o preço da sua aquisição, a preocupação com os aspectos éticos da sua preparação e do seu consumo, o possível impacto sobre a saúde de quem o consome, o humor da pessoa na hora em que seleciona o alimento, a conveniência (no sentido de racionalização dos esforços) de optar por ingeri-lo em determinadas circunstâncias, o quanto aquela refeição pode ser considerada como natural ou artificial, o impacto sobre controle de peso e a familiaridade do indivíduo com aquela iguaria. As opções de resposta foram apresentadas em uma escala do tipo likert, variando de 1 a 4 pontos, sendo 1 (nada importante), 2 (um pouco importante), 3 (moderadamente importante) e 4 (muito importante). A soma das pontuações formou o escore final de cada fator.

O resultado do levantamento apontou que o apelo sensorial e o preço são, respectivamente, o primeiro e segundo principais motivos que pesam no momento da escolha dos alimentos. Em seguida, destacam-se a saúde e a conveniência, que pode ser entendida como a facilidade que a pessoa encontra para preparar aquele alimento. O humor no momento da compra e o fato de o alimento ter um conteúdo natural figuraram na quinta e sexta posições, respectivamente. Por fim, os itens controle de peso, a familiaridade com o alimento e preocupação ética ocuparam as três últimas posições.

Autor principal do artigo, o nutricionista Dr. Wanderson da Silva afirma que a maior parte dos resultados está em linha com o que é observado em outros países: o quesito apelo sensorial ocupou o topo da lista dos fatores mais influentes. “Alimentos com nutrientes como gordura e carboidratos são muito valorizados porque, para o nosso paladar, são percebidos como fontes de energia. Naturalmente, acabamos buscando mais alimentos com essas características”, explicou o pesquisador.

O Dr. Silva aponta o item conveniência, que também esteve entre as maiores pontuações e pode estar relacionado ao consumo de alimentos ultraprocessados, uma vez que esses produtos na maioria das vezes são comprados prontos para comer ou demandam um preparo simples. Embora práticos, os ultraprocessados costumam ser apontados como vilões pelos nutricionistas por apresentarem alto teor de gorduras, açúcares e sódio, o que está associado ao desenvolvimento da obesidade e de doenças cardiovasculares.

“Esse item aponta uma relação com a facilidade da preparação. O mundo contemporâneo valoriza muito a praticidade. Nessa perspectiva, a conveniência pode ser vista como negativa”, aponta o pesquisador, que sugere, como forma de evitar o consumo desse perfil de alimento, que as pessoas deixem os produtos saudáveis já preparados na geladeira, como frutas já cortadas e potes prontos de salada.

Os resultados apontam ainda que, de acordo com os resultados dos questionários, a Conveniência apareceu como um motivo mais forte principalmente entre os mais jovens. “O que é muito normal, especialmente se a gente estiver falando de universitários, que muitas vezes não moram com os pais, comem o que é mais barato e conveniente”, afirma.

Diferenças entre homens e mulheres

Outro resultado esperado, e que repete o que foi observado em outros países em que o questionário foi aplicado, é a importância do preço no momento da escolha. Isso é mais forte nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. O mesmo vale para o dado de que as mulheres dão mais importância para o controle de peso na hora de escolher os alimentos. Ao mesmo tempo, elas também consideram mais o humor no momento da escolha, quando comparado aos homens. “Eu não diria que as questões do Humor afetam mais as mulheres, mas elas tendem a externalizar mais isso que os homens. Por essa característica, é mais provável que elas usem a comida para lidar com o humor, o que foi visto em outros trabalhos observados no levantamento da literatura”, afirmou o pesquisador. Vale mencionar que no perfil dos respondentes houve um predomínio de mulheres (aproximadamente 70%), jovens entre 18 e 30 anos (82%) e indivíduos de renda média familiar maior ou igual a R$ 8 mil (80,5%).

Chama a atenção o fato de que o aspecto ligado às questões éticas associadas à produção ou ao consumo de um alimento, designado como fator de compromisso ético, tenha sido relegado ao último lugar da lista. Em especial, em um momento em que consumidores cada vez mais criticam e demandam posicionamento políticos das marcas. O Dr. Silva explicou que o FQC foi elaborado em 1995 e as perguntas relacionadas com esse fator envolvem temáticas sobre o país de origem do produto e a forma como ele é embalado. Ainda que tenham a sua importância, explica o autor, as questões estão desatualizadas do debate ético relacionado à produção de alimento dos dias de hoje. “Essa preocupação ética é muito generalista e voltada para uma questão política. Existem hoje outras questões contemporâneas que poderiam ser endossadas. Se as perguntas fossem mais atualizadas, não acho que este fator seria listado por último”, pondera.

Acesse o resumo do artigo científico (em inglês).

Acesse a notícia completa na página do Jornal da UNESP.

Fonte: Marcos do Amaral Jorge, Jornal da UNESP. Imagem: Freepik.

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