Notícia

Novos medicamentos para perda de peso são a solução para o problema da obesidade?

Especialistas discutem o papel e o uso de agonistas do receptor GLP-1, como o medicamento Ozempic, isoladamente ou como apoio aos hábitos de vida saudáveis em pacientes obesos

Freepik com adaptações

Fonte

Universidade Harvard

Data

terça-feira, 11 julho 2023 15:40

Áreas

Nutrição Clínica. Saúde Pública

Uma nova geração de medicamentos antiobesidade mudou o panorama terapêutico, fornecendo novas terapias potentes para alcançar a perda de peso, mas provocando debate sobre a melhor forma de usá-los e o local adequado para intervenções baseadas no estilo de vida que há muito tempo eram o centro das atenções.

As drogas, chamadas agonistas do receptor GLP-1, foram desenvolvidas para tratar o diabetes tipo 2, cuja prevalência disparou nas últimas décadas, juntamente com as taxas de obesidade. Além do controle de açúcar no sangue, no entanto, esses medicamentos resultam em perda de peso, um efeito que chamou a atenção do público e da indústria farmacêutica, que passaram a criar formulações específicas para ajudar pacientes a perder peso.

No geral, esses compostos se mostraram surpreendentemente eficazes, ajudando pacientes a perder de 10% a 22% do peso corporal no primeiro ano de uso. Eles funcionam imitando um hormônio chamado peptídeo-1 semelhante ao glucagon, que retarda a digestão e diminui o apetite. Os tratamentos foram recebidos como uma ‘dádiva de Deus’ por pacientes desencorajados após anos de dieta ineficaz e como uma nova opção potente por alguns especialistas em obesidade. O ‘kit de ferramentas’ há muito se restringe à cirurgia bariátrica – eficaz, mas invasiva e, em muitos casos, irreversível –, medicamentos mais antigos e menos eficazes e abordagens baseadas no estilo de vida, como dieta e exercícios, que até agora provaram ser eficazes em longo prazo para apenas cerca de 10% dos pacientes.

Fatima Stanford, especialista em obesidade do Hospital Geral de Massachusetts e professora de Medicina e Pediatria na Escola Médica de Harvard, disse que, para a maioria dos pacientes com obesidade grave, as abordagens de estilo de vida não estão à altura da necessidade. Os novos medicamentos, especialmente quando combinados com a cirurgia bariátrica, são ferramentas apropriadas para resolver um problema que se mostrou resistente à mudança e vem com risco aumentado de condições que ameaçam a vida, como hipertensão, diabetes e doença hepática gordurosa, disse a especialista.

“Os pacientes chegavam com peso de 350 a 400 libras [aproximadamente de 159kg a 181kg] e estávamos apenas dizendo a eles para beber leite desnatado, aumentar sua caminhada, coisas do tipo que não tinham impacto no grau de gravidade de sua doença”, disse a pesquisadora.

O Dr. David Ludwig, especialista em obesidade do New Balance Foundation Obesity Prevention Center no Boston Children’s Hospital, professor de Pediatria na Escola Médica de Harvard e professor de Nutrição na Escola de Saúde Pública de Harvard, escreveu um artigo de opinião em maio na revista científica Journal of the American Medical Association argumentando que, embora as abordagens baseadas em dieta e exercícios pareçam ser eficazes para uma minoria de pacientes, as pesquisas sobre tais abordagens foram prejudicadas por décadas por falta de recursos. Enquanto as principais empresas farmacêuticas gastaram bilhões desenvolvendo os novos agonistas do GLP-1, os Institutos Nacionais de Saúde distribuíram apenas US$ 250 milhões em 2022 para cientistas dos Estados Unidos para pesquisar a obesidade infantil, uma quantia equivalente a um único teste de droga de Fase III.

Em artigo recente na revista científica JAMA Viewpoint, o Dr. David Ludwig e o coautor Dr. Jens Holst, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, argumentaram que as abordagens baseadas em dieta e estilo de vida devem estar na vanguarda da prevenção e tratamento da obesidade. Algumas dietas, em particular aquelas com baixa carga glicêmica que restringem carboidratos processados, mostraram-se promissoras quando combinadas com intervenções comportamentais intensivas. Um estudo mostrou uma perda de peso média de 12% entre pacientes com diabetes tipo 2 após um ano. Apesar desses resultados, com algumas exceções, estudos caros e de alta qualidade que possam fornecer respostas conclusivas ainda precisam ser realizados.

“Com a disponibilidade de novas drogas poderosas e procedimentos cirúrgicos, os incentivos são para promovê-los. Eles são grandes geradores de dinheiro para empresas farmacêuticas, cirurgiões e hospitais”, disse o Dr. David Ludwig. “Tendemos a perder de vista o estilo de vida e as intervenções dietéticas porque poucas organizações influentes lucram da mesma maneira. Além das intervenções genéricas, como tornar a atividade física mais conveniente, devemos adotar uma abordagem mais sofisticada para investigar os efeitos biológicos da dieta. O tipo de alimentos que ingerimos altera dezenas de hormônios, centenas de vias metabólicas e a expressão de uma miríade de genes por todo o corpo de maneiras variadas. O conhecimento desses efeitos, combinado com métodos comportamentais intensivos, pode ajudar no desenvolvimento de alternativas eficazes às drogas e à cirurgia para prevenção e tratamento”.

O Dr. Walter Willett, professor de Nutrição na Escola de Saúde Pública de Harvard, vê dois caminhos à frente. Por um lado, os novos medicamentos ajudam as pessoas com obesidade grave a perder quantidades significativas de peso, o que aumenta as chances de sucesso de abordagens baseadas no estilo de vida. Por outro lado, as pessoas não melhoram a alimentação, não aumentam o exercício e usam os medicamentos para combater os hábitos pouco saudáveis que mantêm e que podem ter contribuído para o problema. Nesse caminho, a saúde das pessoas ainda seria ruim porque bons estilos de vida contribuem para o bem-estar de muitas maneiras não relacionadas somente ao controle de peso, disse o Dr. Walter Willett.

“Então, por qual caminho vamos seguir? Suspeito que [essa decisão] não será simples”, disse o Dr. Walter Willett. “Uma coisa é certa: este é o Santo Graal para a ‘Big Pharma’. Você tem dois terços da população com sobrepeso ou com obesidade e elegíveis para tomar esta classe de drogas, algo em torno de US$ 10 mil a US$ 15 mil [de R$ 49 mil a R$ 73 mil] por ano para toda a vida”.

“Ainda hoje, os custos com saúde estão deslocando os verdadeiros determinantes da saúde, que são educação, ambiente seguro, infraestrutura física para trabalhar, brincar, caminhar, andar de bicicleta, tudo isso. Esses estão sendo espremidos e deslocados pelos custos de saúde”, disse o Dr. Walter Willett.

Em janeiro deste ano, a maior associação de pediatras dos Estados Unidos alimentou o debate por meio de novas diretrizes de prática clínica que enfatizavam medicamentos e cirurgia bariátrica para o tratamento de crianças com obesidade e obesidade grave. As diretrizes da Academia Americana de Pediatria (AAP) chamam a obesidade e o sobrepeso de “uma das doenças crônicas pediátricas mais comuns nos EUA”, afetando cerca de 14,4 milhões de crianças e adolescentes.

As diretrizes dizem que os pediatras devem oferecer medicamentos para perda de peso a adolescentes de 12 anos ou mais que tenham obesidade, como um complemento ao comportamento de saúde e tratamento de estilo de vida. Da mesma forma, eles dizem que os pediatras devem oferecer aos adolescentes de 13 anos ou mais com obesidade grave uma avaliação para cirurgia metabólica e bariátrica.

Fatima Stanford, que faz parte do comitê executivo da seção de obesidade da AAP, disse que as novas diretrizes são as primeiras em 16 anos e se afastam de uma abordagem anterior que aconselhava ‘espera vigilante’ enquanto mudanças no estilo de vida e na dieta eram tentadas.

Essa estratégia não funcionou para a maioria dos pacientes, disse a especialista, que não ajudou a redigir as novas diretrizes. As recomendações são intencionalmente abrangentes, disse ela, e visam reduzir não apenas a obesidade, mas também as doenças associadas no início da vida. Ao minimizar os danos aos órgãos causados por condições como hipertensão e diabetes, o corpo tem uma chance muito maior de se recuperar do que após décadas tentando outras estratégias. “O ímpeto por trás da mudança nas diretrizes foi que a intervenção precoce é fundamental”, disse Fatima Stanford.

Mesmo aqueles cautelosos sobre o uso das novas drogas reconhecem sua potência. A questão não é se elas devem ser usados, mas como e em que combinação com outras abordagens, como cirurgia bariátrica, dieta, exercícios e suporte nutricional, comportamental e familiar intensivo.

Além disso, apontaram os especialistas, ainda existem questões de exacerbação da desigualdade em lugares onde os medicamentos não são cobertos pelo seguro, além do fato de que os efeitos colaterais referentes ao uso prolongado dos medicamentos ainda são desconhecidos, já que alguns pacientes podem precisar tomar a medicação por toda a vida para evitar o ganho de peso.

Um problema que as drogas não resolvem, no entanto, é a natureza do ambiente alimentar. O Dr. Walter Willett e a Dra. Lillian Cheung, professora de Nutrição e diretora de pesquisa e prática de atenção plena na Escola de Saúde Pública de Harvard, disseram que uma das razões para a epidemia de obesidade é o consumo exagerado de alimentos pouco saudáveis e altamente processados.

“Não é nenhuma grande surpresa ou mistério por que temos esse problema de obesidade. Durante a infância, continuamos a permitir que as crianças sejam exploradas pela indústria de bebidas e alimentos com fins lucrativos, embora saibamos que isso contribui para a mortalidade e o sofrimento”, concluiu o Dr. Walter Willett.

Acesse a notícia completa na página da Universidade Harvard (em inglês).

Fonte: Alvin Powell, Universidade Harvard.  Imagem: Freepik com adaptações.

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