Notícia
De difícil tratamento, deve-se prevenir a obesidade infantil com atividade física e boa alimentação
Para evitar doenças crônicas, especialistas tratam não apenas da criança, mas de toda a família
Pixabay
Fonte
Hospital Sírio-Libanês
Data
terça-feira, 20 fevereiro 2018 09:50
Áreas
Nutrição Clínica . Saúde Pública
Se a obesidade infantil na faixa entre 9 e 11 anos já atingiu níveis mundiais alarmantes, com o Brasil entre os países-líderes nessa doença, seu tratamento é bastante complexo e precisará envolver toda a família da criança. Daí o alerta de especialistas de várias áreas, que coincidem em dois pontos, quanto à prevenção de doenças crônicas futuras: é preciso promover atividade física como rotina e cultivar hábitos saudáveis de alimentação.
Coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa Clínica em Diabetes da Universidade Federal de São Paulo e do Centro de Diabetes do Hospital Sírio-Libanês o endocrinologista Antonio Chacra diz que o aumento da incidência de obesidade infantil é um fato, constatado em seu consultório. “Esse é um grupo especial e tem certas peculiaridades. A faixa de crianças entre 5 e 9 anos, por exemplo, é extremamente difícil de se tratar. São raros os casos genéticos, ou distúrbios da tireoide, da suprarrenal. O que mais se vê é a alimentação inadequada, falta de exercício. E falta de sensibilidade para cuidar do problema. “
Se a criança sofre com gozações na escola, diz o médico, muitas vezes os próprios pais reforçam a pressão sobre ela, com comparações até mesmo entre irmãos. É terrível, porque essa criança fica mais ansiosa, quer sair menos ainda de casa, fazer menos exercício. E comer mais. Fora a bioengenharia alimentar, que atrai consumidores com artifícios diversos, como a ‘crocância’ dos salgadinhos. O tratamento é difícil, porque não se pode prescrever um ansiolítico para a criança! E quando se ganha peso na infância é ainda mais complicado perder mais tarde. Há mais possibilidade de aumento de colesterol, diabetes, doenças cardiovasculares já por volta dos 30 anos…
Para o endocrinologista, sensibilidade é essencial ao médico que trata da criança obesa. “É preciso orientar os pais, que devem apoiar, elogiar… Claro, com elogios sinceros. E perceber hábitos de casa. Como proibir ou convencer uma criança de que não deve comer lasanha, se todos da casa estão comendo? Se os pais também estão acima do peso? A gente diz que obesidade não é contagiosa, mas contagia. Se todos à sua volta estão com sobrepeso, você passa a ver isso como natural. ”
Vanessa Tomasini, psicóloga clínica com atuação na área de distúrbios alimentares, afirma: hoje a criança que sofre com obesidade é levada à prática de dietas. Assim, se reafirma seu pensamento de que é preciso “restringir” e ela se torna ansiosa. “Não tratamos dessa criança individualmente. Toda a família estará envolvida. O que é oferecido a essa criança em casa? Os hábitos alimentares influenciam muito, assim como o estilo de vida. Ela não está se movimentando, brincando de esconde-esconde, subindo em árvores? Ela se cansa fácil, prefere ficar só no mundinho do celular? Só come macarrão com salsicha? É o círculo vicioso. Tem criança de 6, 7 anos, com pressão alta…”
Dá trabalho construir bons hábitos, mas é preciso, para ter menos riscos de doenças, de distúrbios na adolescência ou na idade adulta. “A orientação e o envolvimento da família é primordial na diminuição dos alimentos ultraprocessados. “É preciso parar de matar a ansiedade comendo salgadinhos que dão prazer imediato e abrir a paleta de sabores, levar a criança à feira, ao mercado, mostrar o encanto da alquimia da cozinha, cozinhar junto, mostrar que se pode comer de tudo, mas de forma organizada. Sem focar só no peso, sem julgar, oprimir, comparar, obrigar a criança a caber em um padrão estético da família ou da mídia.”
A nutricionista Karine Durães, especializada em Pediatria, trabalha com toda a família da criança que precisa perder peso. “Primeiro, avaliamos todo o ambiente alimentar: quem compra os alimentos, quem prepara, quem come junto, se a compra é feita por mês e por isso se consomem menos alimentos frescos, se a criança come em frente à tevê, sem prestar atenção em quantidades…” É uma análise minuciosa, diz Karine, porque será preciso modificar todo o ambiente em que a criança vive, descobrindo, por exemplo, alimentos que são prazerosos para toda a família, que não estimulem ganho de peso, onde podem ser comprados.
Dieta, com começo, meio e fim, não é o caminho para uma criança de 7 anos, pondera Karine. “Ela não mantém. É preciso começar por pequenas metas – doce só em dia sim, dia não… Ajudar a criança a criar competência para comer todo tipo de alimentos, experimentar, sentir sabores e texturas diferentes. Como é uma doença grave, requer mudanças de vida muito profundas de vários envolvidos, que muitas vezes não estão preparados para isso. E é difícil: estatísticas apontam que são de apenas 30% as chances de uma criança se curar da obesidade, mesmo tratada com todos os profissionais disponíveis. Por isso, o melhor mesmo é a prevenção, com boa alimentação, atividade física…”
Brincando se aprende a tomar decisões
Mestre em Educação Física e Psicologia, doutor em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano, José Elias de Proença lembra que o organismo humano é o do caçador que corre atrás de alimentos – “mas que hoje ficam acumulados na geladeira… e no corpo”. Ainda há a supervalorização de alimentos processados e a ideia de “diet” enganando o cérebro. “A criança de 0 a 6 ou 7 anos está em formação. Passa por grandes definições de sistemas. Se ingerir mais calorias do que gasta em atividade física, vai acostumar o cérebro a querer e o corpo a guardar. Se, pior, a família é modelo de sedentarismo, a criança vai ganhar sobrepeso. Em Toronto, no Canadá, a cada duas quadras há um parque para incentivar exercícios… Veja aqui, o que temos nos prédios: a área de lazer para a criança é muito pequena, em relação à área de garagens, por exemplo.”
Hoje a criança não corre atrás de bola, não sobe em árvores, não anda de bicicleta, não participa de jogos em movimento. “É muito mais difícil a formação espontânea de grupos para brincadeiras. E toda aprendizagem se dá pelo corpo, via sinapses nervosas. Brincando, a criança desenvolve o sistema neuromotor e, portanto, a inteligência, as emoções. Brincando, a criança aprende a fazer operações mentais, como ativar braços e pernas para ir subir na árvore, procurar apoio para pés, pensar, resolver onde vai se segurar, pisar, tomar decisões. Vai mexendo com a inteligência… Se não criar estruturas nervosas para isso, vai desistir, em vez de ir em frente. E, como adulto, o que vai fazer da vida, se não aprendeu a enfrentar situações?”
Por isso, o educador defende o resgate cultural de brincadeiras, por parte dos pais ou dos avós – que nem sempre dão conta, assim como as escolas. “O movimento físico passou a ser ‘programa’. A criança se movimenta menos, perdendo atenção pela velocidade de informação que tem à volta. É obesa por uma série de fatores, e o profissional de Educação Física joga com todos eles, mas também são necessárias mudanças sociais. O mundo está desacelerando o uso do corpo – caso da China, da Índia, do Brasil. É um problema de saúde pública, preocupante, crescente, a ser encarado de várias frentes – do planejamento urbano até encontros em escolas, academias, debatendo onde a Educação Física pode avançar, conscientizando, sem se prender apenas a aulas de atividade física.”
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