Notícia
Crianças que consomem alimentos ultraprocessados se tornam adultos mais obesos
Cientistas acompanharam 9 mil crianças por 17 anos, a pesquisa é a primeira a avaliar o efeito do consumo desses produtos alimentícios desde a infância, quanto ao risco de obesidade
Pixabay
Fonte
Jornal da USP
Data
sábado, 3 julho 2021 10:35
Áreas
Nutrição Clínica. Nutrição Coletividades. Nutrição Materno Infantil. Saúde Pública
Há algum tempo, a comunidade científica alerta a população sobre os riscos à saúde associados ao consumo de refrigerantes, biscoitos, balas e todo e qualquer produto alimentício baseado quase que unicamente em ingredientes industriais, os chamados ‘ultraprocessados’. Pela primeira vez, um estudo desenvolvido por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP, em parceria com o Imperial College London, no Reino Unido, avaliou o consumo de ultraprocessados a longo prazo, da infância até o início da vida adulta, e seu efeito nos indicadores de obesidade. 9.025 crianças britânicas de 7 anos foram estudadas até completarem 24 anos de idade. Os resultados mostraram que os indivíduos que consumiam mais ultraprocessados na infância tinham piores padrões de obesidade.
A pesquisa inédita aponta que, quanto maior a participação dos ultraprocessados na dieta de crianças, maior e pior é o ganho de peso, e denuncia o papel definitivo desses produtos na infância para a formação de preferências e hábitos alimentares. A pesquisa teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O artigo, publicado na revista científica médica Jama Network, destaca a urgência de ações de saúde pública para regulamentação da publicidade e marketing na venda de ultraprocessados e da importância de instruir a população quanto aos seus riscos à saúde, para combater a crescente obesidade no mundo.
“Hoje, está claro que o consumo de ultraprocessados é o principal fator de piora da qualidade da alimentação, mas, até então não havia um estudo como esse, que permite avaliar a relação entre padrões alimentares baseados nesses produtos e obesidade desde a infância”, afirma a Dra. Daniela Neri, nutricionista, pesquisadora de pós-doutorado do Nupens e coautora do estudo.
O grupo de 9.025 crianças nascidas na década de 1990, da cidade de Bristol, na Inglaterra, passou a ser estudado em 1991. Elas foram avaliadas por medidas antropométricas, como índice de massa corporal (IMC), índice de massa gorda (IMG), peso e circunferência da cintura, coletadas dos 7 aos 24 anos de idade, no intervalo de três anos por avaliação. Essas medidas possibilitaram avaliar a evolução do crescimento e da composição corporal, bem como o desenvolvimento de obesidade da infância até o início da vida adulta.
Para analisar o consumo alimentar aos 7, 10 e 13 anos de idade, os participantes registravam em diários tudo o que consumiam em um período de 24 horas durante três dias não consecutivos, incluindo alimentos e bebidas, quantidade consumida e local da refeição. Os dados foram categorizados segundo a classificação NOVA, que descreve os alimentos, não mais pelo conteúdo de nutrientes, mas por quatro agrupamentos que avaliam o grau de processamento industrial. De acordo com a pesquisadora Dra. Daniela Neri, que foi uma das responsáveis por essa análise, a classificação divide os alimentos com base na extensão e no propósito do processamento industrial em que os alimentos foram submetidos antes da aquisição das famílias dos indivíduos.
No primeiro grupo estão os alimentos in natura ou minimamente processados, que incluem carne, leite, ovos, grãos e uma gama de alimentos de origem animal ou vegetal que, antes de chegar em nossas mesas, podem ter sido embalados, resfriados e/ou congelados, mas não sofreram adição de ingredientes, nem alterações significantes.
O segundo grupo é de ingredientes culinários, que são azeites, óleos, sal e outros produtos extraídos do grupo anterior para temperar e tornar os alimentos atrativos ao paladar. Já o grupo três abrange os alimentos processados, como conservas de legumes ou de pescado e frutas em caldas.
A grande diferença está no quarto grupo, dos ultraprocessados, que caracterizam alimentos que, na realidade, nada ou quase nada têm de alimentos de verdade, como os sucos em pó – que nunca foram frutas. É como aquilo que entendemos por “comida de astronauta”, mas que, segundo a pesquisadora, são uma mistura de gorduras não saudáveis, amido, açúcar e sal, acrescidas de corantes, aromatizantes, emulsificantes, espessantes e outros aditivos, que dão aparência de comida e não estão restritos aos homens e mulheres no espaço há muito tempo. “Hoje são embaladas de uma maneira muito atraente e promovidas por estratégias de marketing muito sofisticadas e super apelativas, especialmente para crianças, o que pode explicar o consumo exagerado”, completa a pesquisadora.
Além de ser um bom instrumento para estudos epidemiológicos sobre consumo alimentar atrelado à saúde, a NOVA é reconhecida internacionalmente como uma ferramenta válida para embasar políticas e ações em nutrição e saúde pública, e foi adotada pelo Guia Alimentar da População Brasileira, em 2014.
Ao final da pesquisa, os participantes, agora no início da vida adulta aos 24 anos de idade, foram avaliados. Os dados dividiam os 9 mil indivíduos em 5 grupos, de menor para maior consumo de ultraprocessados (em percentual do total de gramas de alimentos consumidos), e os resultados mostraram que os adultos que consumiam mais ultraprocessados na infância pesavam 4 Kg a mais, tinham níveis de Índice de Massa Corporal (IMC) e de percentual de gordura corporal superiores e três centímetros a mais de circunferência da cintura, comparado aos que consumiam menos alimentos ultraprocessados.
As crianças que mais consumiam ultraprocessados não apenas ganhavam mais peso, mas apresentavam pior ganho de peso, com maiores danos à saúde. Essa relação, chamada de “efeito dose-resposta”, pode ser exemplificada com o tabagismo e câncer de pulmão. “Quanto mais a pessoa fuma, maior o risco dela desenvolver o câncer de pulmão”, explica a Dra. Daniela. Com o aleitamento materno, porém na redução do risco de obesidade: “Quanto mais tempo a criança mama, menor o risco de dela desenvolver obesidade na vida adulta”
Acesse o resumo do artigo científico (em inglês).
Acesse a notícia completa na página do Jornal da USP.
Fonte: Guilherme Gama, Jornal da USP. Imagem: Pixabay.
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