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Leite humano salva vidas: rBLH completa 40 anos e é exemplo de política pública que ajuda a reduzir a mortalidade neonatal
O primeiro Banco de Leite Humano (BLH) surgiu em um contexto de desmame precoce e incentivo ao uso de fórmulas artificiais, que eram tidas como superiores ao leite materno. Criado em 1943, o BLH do atual Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), da Fiocruz, até 1984 atendia apenas casos especiais. Foi quando começou a ser implementado um novo paradigma operacional que permitiu a expansão dos bancos de leite no país e consolidou a primeira rede no SUS — e fez do Distrito Federal o único lugar no mundo a conquistar autossuficiência em leite materno e o único no país a ter uma legislação que regula essa política.
O Dr. João Aprígio Guerra de Almeida foi a força motriz de todo o processo que culminou no estabelecimento desse novo paradigma para os Bancos de Leite Humano. Engenheiro de alimentos, o Dr. João Aprígio contou à Radis [revista da Fiocruz] que, na década de 80, a mortalidade infantil no país era elevada e o aleitamento materno já era reconhecido como uma ação eficaz para atenuar e reduzir o problema, o que foi decisivo para fortalecer a expansão do modelo brasileiro de BLHs.
O IFF/Fiocruz foi a semente da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH). Até a década de 80, havia apenas cinco unidades. O Dr. João Aprígio revelou que, nesta época, surgiu a percepção de que o banco de leite não poderia ser uma leiteria humana. “E a mulher? Onde ela ficava nesse processo? Poder trazer a mulher para o centro da cena do banco de leite humano, percebê-la com uma perspectiva mais compreensiva, foi outro grande diferencial”, observou, ao comentar que a mudança de paradigma fez da mulher a protagonista da amamentação e o bebê o beneficiário do alimento.
De acordo com o Dr. Aprígio, o modelo brasileiro se alicerça no forte referencial do aleitamento materno e da tecnologia de alimentos, que amplia a segurança do que se faz dentro do banco e a oportunidade de uso de suas funcionalidades como recurso terapêutico. “Não é só transferir o modelo, mas transferir princípios em uma mesma base de rigor técnico e apoiar cada local respeitando as suas peculiaridades”, disse à Radis. Hoje é coordenador do Programa Iberoamericano de BLH e da Rede Global de Bancos de Leite Humano. Em 2020, o Dr. João Aprígio recebeu o Prêmio Dr. Lee Jong Wook, concedido anualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a indivíduos ou instituições que contribuíram com importantes avanços para a saúde pública.
O Grupo Técnico de BLHs formalizou, em 1984, o início do processo de institucionalização de experiências até então isoladas; e, em 1987, surgiu o primeiro convênio para que o BLH do IFF se tornasse o Centro de Referência Nacional. Os bancos passaram a ser levados para o resto do Brasil.
A cooperação social foi ampliada para outros países. Aos poucos, a rede local se tornou uma rede global. Depois dos municípios brasileiros, atravessou fronteiras e hoje está presente em países da América Latina, do Caribe, da Península Ibérica, da África e do Brics, grupo composto por Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil. O trabalho da Rede BLH foi reconhecido como o que mais contribuiu para a redução da mortalidade infantil no mundo na década de 1990 e a rede foi agraciada com o Prêmio Sasakawa de Saúde, em 2001.
Política pública
A Dra. Danielle Aparecida da Silva é coordenadora do Centro de Referência Nacional para Bancos de Leite Humano (IFF/Fiocruz), responsável pelas ações estratégicas e a normalização dos procedimentos de toda a rede. Ela falou à Radis que o modelo brasileiro difere dos demais por considerar o leite humano como alimento funcional, realizando o processamento e o controle de qualidade baseado na tecnologia de alimentos e visando atender às necessidades específicas de cada receptor.
Ela destacou também a importância de a rBLH desenvolver ações na atenção ao aleitamento materno, apoiando a mulher em fase de lactação. “Os bancos de leite recebem a mulher esclarecendo desde pequenas dúvidas e atendendo intercorrências comuns neste período”, explicou a coordenadora.
Engenheira de alimentos, a Dra. Danielle Aparecida ressaltou que o compartilhamento de conhecimento foi e continua sendo o motor para a expansão da rede. Se, antes, para implantar novas unidades os gestores e equipe iam aos municípios para capacitação técnica, atualmente há um sistema de treinamento e certificação online, desenvolvido por profissionais da rBLH.
Antonio Flávio Meirelles, diretor do IFF, observou à Radis que a rede é exemplo de uma ação local que pode ser capilarizada para o país e se transformar em uma rede internacional de fortalecimento do aleitamento materno. “É uma ação diplomática do nosso país, rumo a alcançar os objetivos da Agenda 2030, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, afirmou o diretor.
Dentro dos ODS, a amamentação está vinculada à boa nutrição, à segurança alimentar e à redução de desigualdades e prevê a meta de 70% de aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses. A Dra. Mariane Curado, nutricionista, coordenadora da rBLH no DF, salienta que, com o trabalho estruturado da rede, o índice no DF chega a 51,1% de aleitamento materno exclusivo. No Brasil, o país opera com déficit estimado, em termos médios, na ordem de 45%.
Dados disponíveis
Em todos os estados e no Distrito Federal há pelo menos uma unidade de banco de leite. Entre 2000 e 2022, o número passou de 109 para 227, crescendo 108%. A maior parte delas está instalada no Sudeste, com 93 unidades, que corresponde a 36% do total. Já o Nordeste, com 53, responde por quase 22%; o Centro-Oeste, com 27 unidades (18%); o Sul, com 38 (17%); e o Norte, com 16 (6%). Há, ainda, 234 postos de coleta (PCL) integrados à rede…
Diferentes tipos de leite
O tipo e a quantidade de leite materno produzido pelo corpo da mulher são ideais e adequados para cada fase de vida do bebê. “Nenhuma fórmula industrializada consegue repetir as propriedades do leite humano”, disse a nutricionista Dra. Mariane Curado, coordenadora da rBLH no DF.
A necessidade de alimento varia à medida que o bebê cresce e é alterada na prematuridade. A primeira fase do leite é o colostro e, em caso de bebê a termo [que nasce entre 37 e 42 semanas], dura em torno de 7 a 10 dias. Na prematuridade, que ocorre antes de 37 semanas, essa característica pode se estender até 30 dias. “Esse leite tem maior teor de imunoglobulina e de substâncias de defesas importantes para o bebê”, salienta. Segundo ela, no Brasil, o leite doado é pasteurizado e analisado separadamente, sendo ajustado às necessidades e ao estado clínico do bebê que vai recebê-lo. Ela garante que esse processo permite maior rastreabilidade de cada produto. “Sabemos quem é a doadora de cada pote, o dia que foi feita a coleta, o dia que o filho nasceu e muito mais. Se eu misturar tudo, eu perco esse controle”, falou à Radis.
‘Um pote de 200 ml de leite doado pode alimentar até 10 bebês prematuros ou de baixo peso.’
Acesse a notícia completa na página da Fiocruz.
Fonte: Dra. Liseane Morosini, Radiz-Fiocruz.
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